No Carnaval...
Da janela vejo a rua completamente deserta, as lojas fechadas, ninguém, ou seja: é Carnaval. Pelo menos onde moro uma alegria esfuziante (gosto deste adjectivo) de silêncio e solidão. Nenhuma senhora de idade, de bengala (não sei porquê há imensas senhoras de idade e bengala por aqui) a conquistar duramente cada metro de passeio com um saquito na mão livre, de feições trancadas pelo esforço, nenhum homem a fumar na paragem do autocarro.
Talvez a mercearia dos nepaleses esteja aberta (daqui não alcanço a porta) com uns caixotezitos de fruta que não me lembro de ver ninguém comprar. Os nepaleses são simpáticos e doces, mal a gente entra cumprimentam logo
– Obrigado senhor, obrigado senhor
atrás de um balcãozito minúsculo, simpáticos, doces, pequeninos, amabilíssimos, devem rapar uma fome de cão e continuam a sorrir. Como nunca vi um funeral de nepalês são capazes de ser eternos. Se lhe perguntar
– Vocês são eternos?
aposto que respondem
– Obrigado senhor
inalteráveis. Vendem isqueiros, cigarros, fruta, a ninguém. Se for lá dizer-lhes
– É Carnaval, sabiam?
aposto que aumentam o sorriso
– Obrigado senhor
a concordarem comigo. Concordam sempre, sentados em banquinhos, de guarda ao balcãozito. Onde dormirão? O que comem? Será melhor morrer à fome aqui do que no Evereste? Este quarteirão é habitado por três espécies de pessoas, as tais senhoras de idade e bengala, nepaleses e travestis sem clientes, plantados na berma do passeio em esperas intermináveis, de cabelo pintado de loiro com as raízes pretas. (…)
António Lobo Antunes, escritor português
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