O leão e o porco

O rei dos animais, o rugidor leão,

Com o porco engraçou, não sei por que razão.

Quis empregá-lo bem para tirar-lhe a sorna

(A quem torpe nasceu nenhum enfeite adorna):

Deu-lhe alta dignidade, e rendas competentes,

Poder de despachar os brutos pretendentes,

De reprimir os maus, fazer aos bons justiça,

E assim cuidou vencer-lhe a natural preguiça;

Mas em vão, porque o porco é bom só para assar,

E a sua ocupação dormir, comer, fossar.

Notando-lhe a ignorância, o desmazelo, a incúria,

Soltavam contra ele injúria sobre injúria

Os outros animais, dizendo-lhe com ira:

«Ora o que o berço dá, somente a cova o tira!»

E ele, apenas grunhindo a vilipendios tais,

Ficava muito enxuto. Atenção nisto, ó pais!

Dos filhos para o génio olhai com madureza;

Não há poder algum que mude a natureza:

Um porco há-de ser porco, inda que o rei dos bichos

O faça cortesão pelos seus vãos caprichos.

Fábulas de Bocage, poeta satírico português


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