O CÂNCER, ESSE MAL MAIOR


   


 O Câncer, esse mal maior para o qual a cura
 vai sendo cada vez mais real

  Um Apontamento de Eugénio de Sá


  Receber o diagnóstico de uma doença como o câncer mexe com a vida de qualquer pessoa e as de todos os que   estão à sua volta. As reacções são as mais diversas porque cada indivíduo reage de uma forma diferente. Por norma, todas passam por diversas e sucessivas fases; negação, revolta, depressão, aceitação.

  Na grande maioria dos casos o factor medo está sempre presente: medo de morrer, da cirurgia, das químios, dos efeitos colaterais, de ficar careca, de deixar os filhos, o o cônjuge, etc. Daí, que o apoio emocional seja importantíssimo. A pessoa precisa de ser ajudada, mesmo que esse entendimento não lhe seja tácito. E então a pergunta põe-se: como ajudar uma pessoa que não pede para ser ajudada?

  Sabe-se quão importante é o testemunho de quem já passou por todas essas fazes e por todos os exames e tratamentos, e ultrapassou vitoriosamente a temível doença. Quando se trata de ajudar um paciente que inicia o seu tratamento é muito importante que ele chegue a um entendimento com quem se presta a ajudá-lo. Quando isso acontece, depressa se gera entre ambos uma empatia que leva à compreensão e à assimilação.
  Quem já viveu na pele um caso de câncer, e sobreviveu, pode sempre transmitir a sua experiência como pessoa curada, que desenvolveu em si um sentimento consolidado de esperança e de gratidão. Entre si e o novo paciente vai gerar-se uma grande cumplicidade, e essa é uma relação única e insubstituível, complementar ao apoio psicológico de um profissional.

  Sei do que falo, pois eu próprio, nos anos oitenta, passei por uma situação semelhante, ao ser-me diagnosticado um sarcoma nos tecidos moles num dos membros inferiores. Fui então sujeito a duas cirurgias sucessivas que impediram a tempo que as células se propagassem a outras zonas do corpo. Posso hoje dizer que sou um raro sobrevivente de um tipo de tumor que nessa época matava em média 96% dos que o contraíam.

  Em 2008 fui solicitado por uma instituição de S. José do Rio Preto (SP) - Brasil, que se ocupava de tratar o câncer, para preparar o conteúdo de um  folheto destinado a  ser distribuído aos seus doentes, com a finalidade de lhes aligeirar os efeitos psicológicos dos tratamentos a que eram submetidos.
Na oportunidade produzi duas versões dirigidas aos dois sexos. Chamei a esse texto: "Parábola de uma árvore a um ser humano". A versão que aqui apresento é a dirigida às mulheres.
  


  
  Parábola de uma árvore a um ser humano

   
Ontem... caíram algumas folhas da minha copa

   e nem ouvi a chuva que pingava sobre a minha insónia.

   Nada que a razão cíclica não regenere, ou não fora eu também

   filha do Criador.



   Aqui, sob a minha ramagem, costuma vir uma mulher refrescar-se,

   matar as suas fomes de azul, mitigar as suas sedes de infinito,

   resolver as suas nostalgias e os ecos dos seus silêncios.

   Ouço-lhe em confissão os pensamentos e calo as suas mágoas,

   os seus desesperos, as suas secretas esperanças...

   Do tanto que a conheço e compreendo, já me basta fitá-la

   para lhe adivinhar os estados de alma.

   Nunca me importou saber como se chama, onde vive, se tem família, em que trabalha...

   Mas já não poderia passar sem ela, sem o seu calado convívio,

   ainda que ela me ignore os sentimentos.

   Afinal, nós, as árvores, somos como os seres humanos; vivemos de pé,

   e em nós também corre uma seiva que nos alimenta e mantém a existência.

   Também adoecemos, recuperamos e, finalmente, morremos.

   Nem sempre de causas naturais.


   Mas, dizia eu; a minha sensibilidade ao que se passa com esta minha amiga

   permite-me adivinhar-lhe uma doença, uma doença grave.

   Há dias, ouvi que balbuciava um desabafo: "mas porquê eu, meu Deus?"

   - Inquiria-se, angustiada.

   Julgo saber do que se trata e tenho muita pena de não poder dizer-lhe

   para a sossegar; mas estás viva, pulsa-te a vida, tens a natureza à tua volta

   a acarinhar-te, tens-me a mim para te ouvir, entender e apoiar.

   Olha a tua alma; ninguém tem um retiro melhor, mais aconchegante

   e aprazível que a sua própria alma.

   E o mais importante: Não permitas que uma doença te esvazie essa alma

   da poesia e dos sonhos que certamente ainda tens.

   Sim, porque a tua poesia está na capacidade de poderes continuar a sonhar a vida.

   Numa palavra: está na tua esperança, na fé que sentes nas mais pequenas coisas

   a presença de Deus.


   Sabes; o câncer, que tanto temes não passa de um simples distúrbio de células,

   um processo um tanto desordenado do seu crescimento.

   E afinal, quantos distúrbios tu já resolveste dentro de ti própria ?...

   - Confia na ciência, e deixa o resto com Deus.

   Ele saberá o que fazer com as tais células.


   Ah, como eu queria poder dizer-lhe tudo isto...

   Mas não passo de um árvore, aqui quieta e muda,

   sentindo, mas não podendo dizer o que sinto,

   amando o vento, o sol, a água e este ser humano,

   de quem só conheço o espaço que o seu corpo ocupa

   sob a minha sombra. E os seus pensamentos,

   quando se acerca do meu tronco e os desabafa,

   ainda que calado.


   Amanhã, quando se ela se chegar a mim,

   vou acariciá-la com um dos meus ramos,

   como uma amiga acaricia outra.

   Quem sabe se ela  entende e retoma a sua paz...
  
Edição:
Eugénio de Sá
  

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