AMIGOS AUSENTES

Custa mais perder os amigos que se perderam vivos do que aqueles que se perderam por terem morrido. Mentira: com os 
amigos que morreram nunca podemos fazer as pazes. Nunca nos zangámos com eles: morreram em paz connosco, fazendo-
nos doer mais.

A amizade é um gosto. A verdadeira amizade é um acto de egoísmo: podemos ajudar os nossos amigos, mas do que mais
 gostamos é deles. Até podemos não gostar de estarmos sempre com eles. Mas gostamos sempre de gostar deles. E,
 sobretudo, gostamos e precisamos que eles e elas gostem de nós.

A amizade é superior ao amor. O amor é exigente e guloso: precisa sempre da presença de quem se ama. O amor é ciumento
 e histérico. A amizade é leal, constante e enfaticamente tão empática como irresistivelmente simpática.

O amor — por muito romântico que seja — é sexualmente doido. É muito mais físico e concreto do que a amizade. Na 
amizade, por exemplo, ocorrem, de vez em quando, com ou sem um excesso de álcool, abraços que, depois de dados, se 
revelam como inteiramente desnecessários e embaraçosos.

Ser e ter amigos é capaz de ser a maior e mais alegre ambição que se pode ter. Confunde muito o facto de "amigo" e "amor" 
partilharem as duas primeiras letras, para não falar naqueles sugestivos ós que também lá estão.

Quem tem sorte de encontrar um amor nunca passa, graças a Deus, daquele.

Já os amigos e as amigas podem ascender, milagrosamente, a dois, três, quatro ou mesmo cinco, caso se tenha azar ou má 
memória.

Miguel Esteves Cardoso, escritor português


Comentários